Será que as pessoas agilistas deveriam ser resilientes ou antifrágeis?

IniciaGP por Dani Gomes
8 min readMay 2, 2022

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Fonte: Companhia das Letras

No início de abril terminei de ler “Antifrágil”, livro escrito por Nassim Nicholas Taleb. Apesar das minhas opiniões um pouco polêmicas sobre o livro (é muito longo, o autor se repete em algumas partes e coloca capítulos que ele mesmo sugere à pessoa leitora que pule-os; ou seja, é um livro que poderia ser um artigo), ainda assim, vejo bons ensinamentos, especialmente para as pessoas agilistas.

Neste artigo trarei alguns dos aprendizados que tirei com este livro, focando em profissionais de agilidade:

  • Experiência vale mais do que teoria: o autor menciona que “(…) as grandes descobertas são feitas por não-acadêmicos”, ou seja, para todas as pessoas agilistas que acreditam que, primeiro, precisam ter muitos cursos e certificações, para a partir daí serem “profissionais”, é mais importante testar, experimentar, colocar a mão na massa, errar e aprender com os erros para, a partir daí, teorizar o aprendizado, não o contrário.

“O termo ‘empírico’, em outras palavras, (…) experimentações (…) era considerado inferior — em âmbito profissional, social e intelectual”

  • Nem todo trauma gera prejuízo: o autor traz o conceito de crescimento pós-traumático, isto é, pessoas que, afetadas por acontecimentos traumáticos, não só sobrevivem a eles, mas se superam a partir deles. Aqui um exemplo que cabe bem é: quem nunca, como agilista, que já trabalhou em mais de um time, aprendeu muito e até hoje usa exemplos daquele time que deu trabalho e que a fez quebrar a cabeça pra tentar evolui-lo e entregar resultados de valor pra organização? Eu mesma enho esse time no coração e na cabeça, e o uso de exemplo o tempo todo, rs.
  • “O mundo não precisa de alguém para guiá-lo”: tendemos a achar que o mundo (ou as pessoas) precisa de alguém para guiá-lo, mas em situações de estresse, de alguma forma, as pessoas acabam se auto-organizando e fazendo o que precisa ser feito (no fim, os estressores nos ajudam a conseguir resultado). Mas é preciso ter cuidado ao adicionar estressores de forma desproporcional, pois isso pode colocar pressão desmedida em cima das pessoas, o que pode acarretar em problemas psicológicos e mentais e não em resultados sustentáveis para as organizações.
  • “Se você (…) estiver vivo (…) algo dentro de você gosta um pouco de aleatoriedade e desordem”: trazendo aqui outro exemplo meu, eu, particularmente sou uma pessoa que gosta de organizar as coisas, ter tudo “no seu devido lugar”. Ainda assim, eu reconheço que cresço e me desenvolvo mais em ambientes desordenados e “levemente” caóticos, do que em ambientes estáveis, onde tudo já está muito bem organizado.
  • Errar faz parte, errar deliberadamente, não: em sistemas antifrágeis os erros são isolados e não afetam o todo, o que nos permite aprender com eles, mas, se perdermos o controle e começarmos a aceitar todo tipo de erro como “aprendizado” (mesmo quando nem paramos para entender onde e porque erramos e, a partir daí, aprender de fato) podemos prejudicar mais do que a nós mesmos, e acabar pendendo mais para o lado da fragilidade (aqueles que se prejudicam com os erros) do que para o lado da antifragilidade (aqueles que aprendem e evoluem com os erros).

“O julgamento humano desfavorece a antifragilidade (para nós, todos os erros são errados)”

  • “A antifragilidade de um é a fragilidade do outro”: o autor explica que “(…) para que a economia seja antifrágil e sofra o que se chama de evolução, cada negócio precisa ser frágil na sua individualidade”, aqui vemos a dependência do todo com as partes. Em resumo, alguém precisa “pagar o preço” para que o sistema se aprimore, o autor cita, p.ex. que “(…) os empreendedores estão na origem da antifragilidade da sociedade, são os heróis (ou, na minha percepção, os mártires) necessários para que a sociedade cresça e se desenvolva (…)”. Nas empresas, as pessoas agilistas, eventualmente precisam exercer esse papel, mas é preciso estar atento(a) à isso: não podemos ser “heróis” ou “heroínas” para sempre, é preciso engajar e inspirar outras pessoas para que elas também comecem a assumir riscos e a se tornar mais antifrágeis.

“A ilusão fundamental da vida é quando acreditamos que a aleatoriedade é ruim”

  • “(…) o que faz com que uma espécie prospere não é a paz, mas a liberdade”: ter liberdade para fazer escolhas, errar pequeno e testar hipóteses é o que faz com que as pessoas cresçam e prosperem; o mesmo vale para os times ágeis, se buscarmos apenas a “paz” ou a “harmonia” (leia-se aqui harmonia como falta de conflito) podemos ter times relativamente felizes mas que não entregam valor e não fazem a organização crescer.
  • Não espere explosões para fazer algo: neste ponto, conectei com outro tema, que tenho estudado nos últimos meses, a segurança psicológica. Existe um certo receio das pessoas em falar sobre isso, especialmente quando (1) não estão em um ambiente tão psicologicamente seguro assim ou (2) quando estão em ambiente de harmonia artificial (ou seja, por fora, parece tudo bem, mas por dentro, só as tretas e picuinhas). O autor fala que “(…) quanto mais tempo demora para a explosão ocorrer, piores serão os danos resultantes para os sistemas (…)” e que “(…) evitar o ruído piora o problema a longo prazo”. Ou seja, se sabemos que existe um problema (p.ex. falta de segurança psicológica) precisamos falar sobre isso abertamente, por mais que, inicialmente seja desconfortável, é isso, junto com a definição de ações práticas e direcionadas, que vai mudar efetivamente o ambiente e (começar a) torná-lo um pouco mais seguro.
  • Não faça intervenções ingênuas: O autor define intervenção ingênua como a “(…) ânsia de ajudar sem considerar benefícios versus danos”, quantas vezes nós, pessoas agilistas, intervimos nos times sem entender direito qual problema queremos resolver, só para “tentar ajudar”? Existe um dito popular que fala que de “boas intenções o inferno está cheio”. E isso quer dizer que é importante entendermos qual problema queremos resolver, qual é a causa raiz, discutir ações com o time (considerando benefícios e prejuízos) e entender se fazer “qualquer coisa” é melhor do que o estado atual ou se precisamos pensar de forma mais estratégica antes de apenas “sair fazendo”.
  • Não construa camas de Procusto: um dos pontos que mais gostei são os aforismos que o autor usa. A cama de Procusto (o meu aforismo preferido neste livro) fala sobre “aumentar ou reduzir as coisas para que elas caibam no padrão”. Quantas vezes nós, agilistas não fizemos isso? “Ah, vamos dar uma adaptada aqui pra caber no Scrum ou no Kanban”. Mas será que essa é a solução? Será que não precisamos entender as dores e problemas que o time quer resolver e, a partir daí, sugerir ferramentas que ajudem na resolução? Ou estamos apenas dando “ferramentas padrão” para problemas “não-padrão”?
  • “A simplicidade (…) não rende medalhas”: achei essa frase muito interessante, porque, muitas vezes, fazemos as coisas pelos méritos, não pelos resultados que elas podem gerar (e aqui extrapolo a profissão de agilista, falo como profissional, no geral). Até porque, em muitos casos, não precisamos fazer uma revolução para conseguir resultados melhores, mas sim, coisas simples, pequenos ajustes ou mudanças. A dúvida que fica aqui é: será que é mais importante o reconhecimento ou o resultado?
  • “As pessoas têm medo das alternativas”: acho curioso, porque, na agilidade, com a infinidade de ferramentas, práticas, métodos e abordagens que temos à nossa disposição, tendemos a nos prender a uma ou duas e “achar” que serve para tudo: qualquer pessoa, qualquer contexto, qualquer área, qualquer problema, e acabamos por “vender” assim para as outras pessoas. O Disciplined Agile, uma abordagem que estudei um pouco, algum tempo atrás, tem justamente o oposto como um dos princípios: “ter opções é bom”. Por que, então, temos medo de oferecer diferentes opções, talvez não tão “cool” para as pessoas?
  • Cuidado com o efeito halo: o fato de você ser boa em uma coisa, NÃO significa que será boa em todas e ter consciência disso, te torna mais humilde e apta a aprender, desaprender e reaprender, quantas vezes for necessário. Ser uma excelente agilista em um time de produtos core não significa, p.ex. que você será uma excelente agilista em times de produto growth. Claramente, como trabalhadoras do conhecimento, assumimos novos desafios, mas precisamos ter consciência de até onde queremos ir, para não nos frustrarmos com o Princípio (da incompetência) de Peter.
  • “(…) não é possível prever colaborações (…) tudo o que se pode fazer é criar um ambiente que facilite essas colaborações e estabeleça as bases para a prosperidade”: pra mim, esse é um belo resumo do que é ser uma pessoa agilista em um time ou área; nosso papel é facilitar para que as pessoas colaborem e se auto-organizem ao redor do trabalho (na minha percepção, o papel da pessoa agilista é temporário em qualquer time, e o melhor resultado que uma pessoa agilista pode ter é não ser mais necessária naquele time).
  • “(…) planejar torna as empresas cegas às opções, uma vez que as aprisiona a uma linha de ação não oportunista”: essa frase, citada pelo autor como de autoria de William Starbuck, resume o problema de nos apaixonarmos pelos planos. Desde que conheci, sou a favor do planejamento incremental (ir planejando em pequenos lotes de tempo, p.ex. a cada 3 ou 6 meses o próximo período) e ter um objetivo de longo prazo (inspirador e aspiracional, não quantitativo). Quando passamos meses planejando o próximo ano ou anos, nos apaixonamos pelo plano e perdemos de vista as demais opções que possam existir, tornando a organização e os times mais lentos e reativos à mudanças no mercado, o que torna o planejamento apenas “(…) uma conversa fiada supersticiosa”.
  • “(…) procure a opcionalidade (…) com compensações irrestritas , não limitadas (…) invista (…) em pessoas, (…) procure alguém que seja capaz de mudar seis ou sete vezes ao longo da carreira (…)”: uma das características mais marcantes de uma pessoa agilista é a capacidade de se adaptar, de mudar e de se reinventar. Agilidade em si, não é algo novo, mas a profissão, de pessoas fazendo exclusivamente isso é, e essas pessoas não necessariamente vem de um background de tecnologia apenas, vemos farmacêuticas, advogadas, administradoras, publicitárias e outras profissionais migrando para a profissão de agilista, o que reforça o ponto de precisarmos nos adaptar e reinventar para as novas profissões que surgem. Hoje, é a profissão de agilista, e amanhã?
  • Dificuldade em traduzir números para ações: o autor cita o exemplo de profissionais de econometria, que trabalham com dados, veem os números, mas não sabem ou não conseguem traduzi-los para uma aplicação prática (não conseguem responder? ‘o que efetivamente pode ser feito com essa informação ou dado?’). E isso é completamente extensível à agilidade: Trabalhamos com diversos indicadores e métricas de produtividade, eficiência, eficácia e qualidade, mas não necessariamente conseguimos sempre traduzi-los para uma aplicação prática; precisamos evoluir do formato de apenas mostrar o número (p.ex. tivemos uma evolução de X pra Y) e passar para um formato em que consigamos traduzir para a organização o que este número significa (p.ex. estávamos trabalhando acima de capacidade, com horas extra e exaustão das pessoas, e agora conseguimos fazer as entregas dentro do horário regular de trabalho, o que impacta no engajamento das pessoas).
  • O contrário de fragilidade não é a resiliência: propositalmente, deixei este tópico para o final. Na comunidade ágil, fala-se muito sobre sermos resilientes e a importância da resiliência, mas esquecemos que resiliência, um conceito vem da física, é a capacidade de resistir às colisões e permanecer igual; por outro lado, a antifragilidade é a capacidade de ficar cada vez melhor com situações adversas ou cisnes negros (acontecimentos raros e imprevisíveis). Portanto, a resiliência é só o meio do caminho entre fragilidade (que é prejudicada com situações adversas) e antifragilidade.

Por fim, gostaria de deixar uma provocação para as pessoas agilistas que estão lendo este artigo: será estamos nos tornando profissionais antifrágeis ou resilientes? Ou somos mesmos profissionais frágeis? E os times em que trabalhamos? Será que estamos preparadas(os) para lidar e evoluir a partir de cisnes negros ou que apenas estamos sobrevivendo a eles?

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Blog sobre carreira em gestão de projetos e agilidade para quem ainda está começando nessa jornada.

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