Comunicação não-violenta e agilidade: como se relacionam?
A comunicação não-violenta é uma perspectiva que apoia o estabelecimento de relações de parceria e cooperação, com base na comunicação eficaz e empática. Criado pelo psicólogo Marshall Rosenberg, no início dos anos 1960, esse modelo de comunicação ficou mundialmente conhecido e foi largamente aplicado em programas da paz em países na África, Oriente Médio e Leste Europeu, gerando contribuições relevantes para a área de mediação e resolução de conflitos¹. Mas será que sabemos nos comunicar de forma não-violenta?
Vamos fazer um exercício mental rápido, você:
- Já chorou em uma reunião?
- Já ficou bravo(a) com alguém porque a pessoa não “advinhou” o que você estava sentindo?
- Já recebeu um feedback de que você foi grosso(a) com outra pessoa de forma “gratuita”?
Se você, assim como eu, respondeu sim para alguma dessas perguntas, você ainda não sabe se comunicar de forma não-violenta ou está no processo de aprender. E está tudo bem.
Para entendermos o quanto esse conceito se torna relevante em ambientes ágeis, trago alguns paralelos interessantes. No Manifesto Ágil² temos um valor que é “indivíduos e interações mais que processos e ferramentas”, mas esquecemos que nem sempre as pessoas sabem a melhor forma de interagir e se comunicar. O próprio Rosenberg menciona, em seu livro “Comunicação não-violenta”, que somos submetidos a um ambiente que beira a disfuncionalidade: nos comunicamos de forma violenta o tempo todo e nem percebemos. Quer ver um exemplo simples?
Um colega de trabalho te liga e diz que não poderá comparecer à reunião de vocês hoje, pois um parente sofreu um grave acidente e está internado. Você responde que poderia ser pior, o parente poderia ter falecido.
O que te parece esta situação? Comunicação violenta. Você tentou suavizar ou reduzir a dor da outra pessoa. Talvez a única coisa que aquele colega precisasse, naquele momento, era que você dissesse “estou aqui por você” ou “me diga caso eu possa ajudar de alguma forma”. Este é apenas um exemplo, mas existem diversas situações em que nos comunicamos de forma violenta: quando competimos pelo sofrimento, quando não adaptamos nossa linguagem ao público (lembrou dos diversos termos em inglês, né?) ou quando generalizamos situações. Tudo isso nos ajuda a estabelecer outro ponto importante sobre a comunicação não-violenta: não necessariamente trata-se de “fofinho(a)” ou delicado(a), mas de utilizar de uma comunicação que aplica a empatia (capacidade de se colocar no lugar do outro, pensando como o outro) e não apenas a simpatia (capacidade de perceber e/ou reagir ao sofrimento ou necessidade do outro). Ainda mencionando valores relacionados à agilidade, tanto no framework Scrum, quanto no método Kanban, existe o valor transparência (no Scrum, geralmente mencionado como abertura), e a comunicação não-violenta, se relaciona muito com esse valor. Quer ver?
Basicamente o modelo de comunicação não-violenta (CNV) é composto por 4 pilares ou componentes:
- Observação: consiste em entender a situação de forma cética, observando apenas os fatos, sem juízo de valor;
- Sentimento: identificar quais sentimentos essa situação ou fato gera em você, sem interpretações ou analogias;
- Necessidade: dado que uma situação aconteceu e gerou determinado sentimento em você, aqui você precisa identificar qual necessidade esse sentimento gera (ponto importante: se você não consegue identificar sua própria necessidade, como os outros vão conseguir?); e
- Pedido: dado que você expôs a situação, o sentimento e a necessidade, faça seu pedido de forma afirmativa, peça claramente o que você precisa e seja conciso para que não haja dúvida do receptor sobre o seu pedido.
Trazendo para uma abordagem mais prática e lúdica, um exemplo de utilização da comunicação não-violenta é o feedback wrap³, proposto pelo Management 3.0. Notem que ele é composto por 5 partes, que contém esses 4 componentes:
Ao aplicar os 4 componentes da comunicação não-violenta no dia a dia, seja na mediação de conflitos no time ou quando for preciso fornecer feedback, você estabelecerá uma comunicação franca, transparente e empática e liderará pelo exemplo, para que outras pessoas se sintam encorajadas a fazê-lo, começando, assim, um movimento de exercitar tanto o valor “indivíduos e interações” como mais importantes que “processos e ferramentas”, quanto os valores abertura e transparência de outras abordagens ágeis.
Isso é ser ágil: ter a mentalidade e os comportamentos que refletem essa mentalidade no seu dia a dia.
Referências
¹WIKIPEDIA. Comunicação não violenta. In: Wikipedia: A enciclopédia livre. [S. l.], 2021. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Comunica%C3%A7%C3%A3o_n%C3%A3o_violenta. Acesso em: 25 fev. 2021.
²BECK, Kent; BEEDLE, Mike; BENNEKUM , Arie van; FOWLER, Martin; COCKBURN , Alistair; CUNNINGHAM , Ward; GRENNING, James; HIGHSMITH, Jim; HUNT, Andrew; JEFFRIES, Ron; KERN, Jon; MARICK, Brian; MARTIN, Robert C.; MELLOR, Steve; SCHWABER, Ken; SUTHERLAND, Jeff; THOMAS, Dave. Valores. In: Manifesto para Desenvolvimento Ágil de Software. [ S. l.], 2001. Disponível em: https://agilemanifesto.org/iso/ptbr/manifesto.html. Acesso em: 25 fev. 2021.
³MANAGEMENT 3.0. Feedback Wrap: Serve a feedback Wrap for Productive Feedback. [S. l.], 2021. Disponível em: https://management30.com/practice/feedback-wraps/. Acesso em: 28 maio 2021.
MENDES, Tatyane. Comunicação Não-Violenta (CNV): O que é, como funciona e como aplicar o conceito. In: Na Prática. [ S. l.], 21 out. 2019. Disponível em: https://www.napratica.org.br/comunicacao-nao-violenta/. Acesso em: 25 fev. 2021.
ROSENBERG, Marshall. Comunicação Não-Violenta [Non-Violent Communication]: Técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. [ S. l.]: Audible, 2018. Disponível em: https://www.audible.com/pd/Comunicacao-Nao-Violenta-Non-Violent-Communication-Audiobook/B07KXPNG2H. Acesso em: 28 fev. 2021.
Introdução à Comunicação Não-Violenta — Workshop por Marshall Rosenberg. São Francisco, Califórnia: Center for Nonviolent Communication, 2000. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=DgAsthY2KNA. Acesso em: 25 fev. 2021.
SCHWABER, Ken; SUTHERLAND, Jeff. O Guia do Scrum: O Guia Definitivo para o Scrum: As Regras do Jogo. [S. l.: s. n.], 2020. 16 p. Disponível em: https://scrumguides.org/docs/scrumguide/v2020/2020-Scrum-Guide-PortugueseBR-2.0.pdf. Acesso em: 12 maio 2021.
KANBAN UNIVERSITY. The Official Guide to the Kanban Method. [S. l.: s. n.], 2021. 15 p. v. 1. Disponível em: https://resources.kanban.university/wp-content/uploads/2021/03/The-Official-Kanban-Guide_A4.pdf. Acesso em: 12 maio 2021.
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Atualização em 28-mai-21.